Lendas de São João del-Rei

As lendas são-joanenses se perpetuam ao longo das gerações e são compreendidas como importante patrimônio cultural local. Nas escolas, em livros, no teatro de rua e na coleção Passado Presente estes contos permanecem vivos no imaginário popular.


A Bisbilhoteira: Diz-se que na cidade mineira de São João del-Rei existiu uma velha beata, de pele enrugada, sempre vista encapuzada com um manto negro que lhe cobria a cabeça, conhecida por todos como Gertrudes, ou Tia Tude. Tinha o hábito de ir de igreja em igreja para acompanhar as missas, rezar as novenas e confessar-se diariamente, deixando até mesmo os padres incomodados com tanta carolice. Era conhecida por benzer contra quebrantos, ensinar curas, cuidar dos doentes e vivia da venda de horríveis bonecas de pano que tecia com restos de trapo pedidos às costureiras. 
Mas Tude tinha um costume terrível: se aproveitava da hospitalidade daqueles que lhe abriam as portas para assuntar de tudo, descobria segredos íntimos que, ao invés de guardá-los, passava de casa em casa fazendo fofocas da vida alheia. Nem mesmo à noite deixava de assuntar, pois ficava escondida atrás da treliça de sua janela espiando os que passavam.
Foi numa destas noites de espreitada que Tude quase foi pega por um desconhecido que batia à sua porta. Sorrateira, ela saiu para os fundos de casa e voltou pisando forte, como se não estivesse na janela a bisbilhotar:

- Quem é? – perguntou a fofoqueira.
- A Sra. não me conhece, mas vim lhe pedir um favor . Peço que guardes um objeto até amanhã e eu retornarei para buscá-lo.

Tia Tude, curiosa e prestativa como sempre, estendeu à mão pela janela recolhendo o objeto entregue pelo desconhecido. Era uma tocha. A velha ficou muito intrigada com aquilo e colocou-o cuidadosamente em um canto da sala antes de dormir. No dia seguinte, curiosa por voltar os olhos novamente à tocha, Tude levou um susto tremendo! Ao invés desta, estava exatamente em seu lugar outro objeto completamente diferente, como que transformado por mágica: um osso de defunto, ainda sujo de terra fresca. Entendendo o susto como um recado celeste, Gertrudes daquele dia em diante nunca mais se ocupou em falar da vida alheia.



A Criança Desaparecida: Nunca até então havia se visto tanta movimentação na fazenda como naquele dia. Desde o final da tarde até à noite, os escravos corriam de um lado para outro, revezando-se incansavelmente na busca pelo filho mais novo dos senhores. Durante a tarde foi visto brincando com os irmãos no pátio da fazenda e alguns disseram tê-lo perdido de vista quando foi para os lados da senzala. Pelos precipícios das serras, nas capoeiras, nas lavouras de café, no leito dos rios, por todos os lados os escravos procuravam avistar o menino, mas sempre voltavam de mãos abanando. A mãe inconsolável ameaçava atirar-se pela mata à procura do filho:

- Não é possível meu Deus! Deixar meu filho de apenas três anos sozinho, perdido nesta mata escura, correndo perigo de ser atacado por algum animal!

Em meio aos gritos de súplica da mãe, ouviu-se a voz fina e sonolenta do menino que voltava do mesmo jeito como havia sido visto mais cedo, cambaleando de sono e pedindo pelo colo da mãe. Interrogado por todos, a criança dizia apenas:

- Foi uma moça mãe...

Agradecida pelo milagre, a mãe orou como nunca na missa do domingo por seu filho ter voltado são e salvo. O menino se encantava com os anjos dourados da igreja, com as histórias contadas nos painéis, com todas aquelas figuras quando gritou surpreso:

- Foi ela mãe! Foi aquela moça que me levou para casa!



A mula sem cabeça: Conta-se que nas sextas feiras da quaresma passar por uma encruzilhada por volta da meia noite pode ser uma armadilha perigosa. É por ali que passam chispando em fogo e arrebatando tudo o que há pela frente as mulas sem cabeça.
Venâncio voltava do arraial do Rio das Mortes quando ouviu de longe um relinchar assustador que o fez lembrar-se de imediato que se tratava de uma sexta feira da quaresma. Adiantou os passos e quando atravessava o cruzeiro do Betume, avistou uma enorme mula sem cabeça coberta de fogo e que corria velozmente em sua direção.
Não havia pra onde correr, pois o animal sobrenatural o alcançaria de qualquer forma. Rapidamente buscou a foice que usara mais cedo quando roçou o sítio de um senhor e lançou um golpe contra a mula. O animal monstruoso soltou um relincho estridente e desapareceu para os lados do Rio das Mortes.
No dia seguinte, há poucos metros de onde a mula havia desaparecido, encontraram ferida uma pobre lavadeira conhecida por todos no bairro. Se era ou não a mula, não teve quem soube explicar, mas depois do acontecido, ninguém mais se atreveu a passar por um cruzeiro nas sextas feiras de quaresma.

Apontando para o altar-mor, o menino mostrava a imagem da Nossa Senhora das Graças, envolta em seu manto azul de estrelas, com os olhos de compaixão e que parecia sorrir.



O defunto que o diabo levou: Há quem diga que no antigo casarão conhecido hoje como Solar da Baronesa, na cidade mineira de São João del-Rei, viveu o Coronel Carlota, homem rico, mas temido pelo gênio maldoso. Diziam que maltratava seus escravos não para castigá-los de algum delito, mas para vê-los em sofrimento. Ninguém, nem mesmo a família escapava das maldades do coronel. Conta-se que ele foi capaz de envenenar a própria filha por esta se recusar a casar com um velho fazendeiro rico e assassino, escolhido como genro por interesse do coronel em sua fortuna.
Aconteceu que um dia o velho não acordou e descobriram que ele havia morrido. A sua morte não causou tristeza em ninguém e foram poucos os que se atreveram a levar pêsames à família. Tal foi o descaso de todos, que só no final do velório, quando foram recolher o corpo, é que perceberam o desaparecimento do falecido.
Sem encontrar explicação e não querendo provocar alvoroço na cidade, a família criou uma farsa. Em lugar do corpo, puseram no caixão um tronco de bananeira e lacraram para que ninguém mais o visse. Assim, ao final da tarde completaram o funeral.
Mas foi na calada da noite que a história teve um desfecho inacreditável. Já bem distante da cidade, por uma deserta encruzilhada, avistaram de longe um cavaleiro alto, magro, cadavérico, com esporas fosforescentes, chispando em fogo e montado em um cavalo sobrenatural. Na garupa do animal, envolto em um pano sinistro que esvoaçava ao vento, reconheceram ser o cadáver desaparecido do Coronel Carlota.




A Mãe do Ouro: A Mãe do Ouro, bela mulher de cabelos louros e esvoaçantes, por vezes vista como uma bola de luz incandescente a flutuar pelos campos e montanhas mineiras, é considerada na cultura popular como uma força da natureza a proteger o ouro das mãos do homem. 

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